domingo, 28 de agosto de 2011

AS BEBEDEIRAS DOS ÍNDIOS-EXTRAÍDO DO GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL

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AS BEBEDEIRAS DOS ÍNDIOS

Em 1646,os jesuítas que tentavam evangelizar os índios no Rio de
Janeiro tinham um problema. As aldeias onde moravam com os nativos
ficavam perto de engenhos que produziam vinhos e aguardente. Bêbados,
os índios tiravam o sono dos padres. Numa carta de 25 de julho daquele
ano, Francisco Carneiro, o reitor do colégio jesuíta, reclamou que o álcool
provocava ”ofensas a Deus, adultérios, doenças, brigas, ferimentos, mortes”
e ainda fazia o pessoal faltar às missas. Para acabar com a indisciplina, os
missionários decidiram mudar três aldeias para um lugar mais longe, de
modo que não ficasse tão fácil passar ali no engenho e tomar umas. Não
deu certo. Foi só os índios e os colonos ficarem sabendo da decisão para se
revoltarem juntos. Botaram fogo nas choupanas dos padres, que
imediatamente desistiram da mudança.
Os anos passaram e o problema continuou. Mais de um século
depois, em 1755, o novo reitor se dizia contrariado com os índios por causa
do ”gosto que neles reina de viver entre os brancos”. Era comum fugirem
para as vilas e os engenhos, onde não precisavam obedecer a tantas regras.
O reitor escreveu a um colega dizendo que eles ”se recolhem nas casas dos
brancos a título de os servir; mas verdadeiramente para viver a sua vontade e
sem coação darem-se mais livremente aos seus costumados vícios”. O
contrário também acontecia. Nas primeiras décadas do Brasil, tantos
portugueses iam fazer festa nas aldeias que os representantes do reino

português ficaram preocupados. Enquanto tentavam fazer os índios viver como cristãos, viam os cristãos vestidos como índios, com várias mulheres e
participando de festas no meio das tribos. Foi preciso editar leis para conter
a convivência nas aldeias. Em 1583, por exemplo, o conselho municipal de
São Paulo proibiu os colonos de participar de festas dos índios e ”beber e
dançar segundo seu costume”.

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Os historiadores já fizeram retratos bem diversos dos índios
brasileiros. Nos primeiros relatos, os nativos eram seres incivilizados, quase
animais que precisaram ser domesticados ou derrotados. Uma visão oposta
se propagou no século 19, com o indianismo romântico, que retratou os
nativos como bons selvagens donos de uma moral intangível. Parte dessa
visão continuou no século 20. Historiadores como Florestan Fernandes, que
em 1952 escreveu A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá,
montaram relatos onde a cultura indígena original e pura teria sido
destruída pelos gananciosos e cruéis conquistadores europeus. Os índios que
ficaram para essa história foram os bravos e corajosos que lutaram contra os
portugueses. Quando eram derrotados e entravam para a sociedade colonial,
saíam dos livros. Apesar de tentar dar mais valor à cultura indígena, os
textos continuaram encarando os índios como coisas, seres passivos que não
tiveram outra opção senão lutar contra os portugueses ou se submeter a eles.
Surgiu assim o discurso tradicional que até hoje alimenta o conhecimento
popular e aulas da escola. Esse discurso nos faz acreditar que os nativos da
América viviam em harmonia entre si e em equilíbrio com a natureza até os
portugueses chegarem, travarem guerras eternas e destruírem plantas,
animais, pessoas e culturas.
Na última década, a história mudou outra vez. Uma nova leva de
estudos, que ainda não se popularizou, toma a cultura indígena não como
um valor cristalizado. Sem negar as caçadas que os índios sofreram, os
pesquisadores mostraram que eles não foram só vítimas indefesas. A
colonização foi marcada também por escolhas e preferências dos índios, que
os portugueses, em número muito menor e precisando de segurança para
instalar suas colônias, diversas vezes acataram. Muitos índios foram amigos
dos brancos, aliados em guerras, vizinhos que se misturaram até virar a
população brasileira de hoje. ”Os índios transformaram-se mais do que
foram transformados”, afirma a historiadora Maria Regina Celestino de
Almeida na tese Os índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial, de 2000.
As festas e bebedeiras de índios e brancos mostram que não houve só
tragédias e conflitos durante aquele choque das civilizações. Em pleno
período colonial, muitos índios deviam achar bem chato viver nas tribos ou
nas aldeias dos padres. Queriam mesmo era ficar com os brancos, misturar-
se a eles e desfrutar das novidades que traziam.
O contato das duas culturas merece um retrato ainda mais distinto,
até grandiloquente. Quando europeus e ameríndios se reencontraram, em
praias do Caribe e do Nordeste brasileiro, romperam um isolamento das
migrações humanas que completava 50 mil anos. É verdade que o impacto
não foi leve — tanto tempo de separação provocou epidemias e choques
culturais. Mas eles aconteceram para os dois lados e não apagam uma
verdade essencial: aquele encontro foi um dos episódios mais
extraordinários da história do povoamento do ser humano sobre a Terra,
com vantagens e descobertas sensacionais tanto para os europeus quanto
para centenas de nações indígenas que viviam na América. Um novo ponto
de vista sobre esse episódio surge quando se analisa alguns fatos esquecidos
da história de índios e portugueses.

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