sábado, 18 de setembro de 2010

MEUS PENSAMENTO SOBRE O SUICIDIIO

Eu tenho deixado de postar sobre os meus pensamentos e vou tentar todo dia falar sobre o que penso sobre diferentes temas muitos deles polemicos.
O primeiro a ser tratado é sobre o suicidio. Eu poderia afirmar que todos nos já passamos por situações drasticas na vida que chegamos a pensar nisso. Alguns diria que nunca pensou mais não é verdade, apenas por sua fé ou determinação, ou até mesmo repugnancia ao pensamento se absteio de até pensar no assunto que um dia ja pensou condena o fato e renega o assunto. Mas no mundo há vários tipos de suicidio. O suicidio é uma fuga dos problemas é um descontentamento com a própria existencia, é uma ausencia de vontade de lutar de continuar sofrendo os mesmos problemas.
Então alguns entram na depedencia do fumo, das drogas, da bebida, das orgias, da prostituição e outros modos de tentar fugir de algo que o faz ficar presioneiro e na tentativa louca de tentar ser livre se emblenha nesses tipos de suicidio
auto destrutivo que causa um prazer momentaneo mais que por outro lado consegue destruir aquela existencia sem nenhum amor próprio.
A base do amor próprio é se sentir amado, por Deus e também se amar, não ser influencia por ninguém, é entender que no mundo sempre haverá pessoas que não lhe dara valor, e muito poucas ou nenhuma que entenderá você. O importante é você perceber que ninguém merece o direito de acabar com a sua existencia e que se muitos no mundo merece a felicidade voce também precisa do seu quinhão. E Felicade não destrói, não vicia , por que não seria Felicidade e sim derrota e destruição.
Felicidade é se sentir bem consigo mesmo e com os outros.Mas para isso você não precisa dar ouvidos a ninguém e sim a você mesmo , sinta o que você esta conseguindo de concreto se voce esta sendo produtivo ou se não está lute por um lugar ao sol, mas não se deixe persuadir por palavras mais por ações. A ação de uma palavra destrutiva contra você é sinal de que a pessoa não te merece e que voce pode e deve encontrar uma nova diretriz em sua vida.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

DEUS ME LIVRE -SÉRIE VAGA-LUME-LUIZ PUNTEL-TERCEIRA PARTE


MILHARES DE BARBEIROS:
É A PRAGA

Aquela madrugada ficou conhecida no Beco do Deus–me–livre como a Noite dos chupanças. Enquanto eu estava preso, sofrendo torturas e todos dormiam, como por encanto, de cada vão de porta, de cada fenda, de cada greta, foram surgindo, primeiro uma, depois outra, depois mais outra pata peluda – o primeiro barbeiro sedento de sangue. Segundo eu soube depois, o primeiro a dar o alarme foi o Finão. Ele estava dormindo, quando sentiu alguma coisa insignificante, vinda do teto, cair sobre ele. Passou a mão no rosto e, de repente, deu um pulo da cama, pois morria de medo de barata. Acendeu a luz, já pronto para pregar o chinelo na danada. Aí viu que não era barata coisíssima nenhuma, mas sim um bitelo de um chupança. Meteu–lhe uma chinelada, no meio das antenas, enquanto chamava pela mulher. Olhando para cima, notou mais dois ou três, cai–não–cai da viga do teto. – Martinha, acorda, diabo! – ele começou a gritar, chacoalhando a companheira. Ao mesmo tempo, os outros moradores também foram dando pela presença dos intrusos, Deca – frentista em um posto de gasolina, vizinho parede e meia de Finão – acordou com o barulho que havia na casa ao lado. – Que barulheira é essa aí, xará? – Chupança, Deca. Um monte deles aqui em casa... Deca também acendeu a luz e ficou horrorizado. – Aqui também, xará! Minha nossa! Na casa de seu Genoca – candidato do Beco a vereador nas últimas eleições que carinhosamente promovemos a senador – a mesma cena. – Jesus amado! Genoca, acorda, homem de Deus! – sua mulher acordou aos gritos. Em minutos, dezenas, centenas de barbeiros começaram a invadir cada fresta, cada fenda, cada vão dos casebres, casas e barracos do Beco, causando pânico e desespero. Na casa de Zê Tem, na de seu Mané e na Travessa Tupi, onde eu moro, a mesma coisa. Na viela Reverendo Laureano, o mesmo drama, No barraco de seu Marquito e no de seu Itamar; enfim o Beco todo se alarmava na madrugada. No corre–corre, no sai–que–eu–prendo–e–arrebento gerado, era um tal de chinelo pra cá, tamanco pra lá e – vapt! – tome seu desgraçado e – vupt! – olha aquele ali, xará, arrebenta com esse fincão aí, senador, olha um chupança se escafedendo por ali, seu Mané, e dá–lhe seu Itamar, isso seu Licurguinho, capricha nessa sanguessuga aí, gente boa, acerta o passo desse bicho–de–parede, Marquito, vamos liquidar com essa bicharada... Zê Tem e o senador se armaram com umas latas de inseticida da vendinha de seu Licurguinho e saíram esborrifando venêno, que nem água benta, pelos barracos. Adiantou pouca coisa. Isso só serviu para deixar os barbeiros mais ouriçados, revoando em cima do povão. – Salvem as crianças! Salvem as crianças! – padre Bernardo ordenava, tentando colocar ordem no desespero. – Desocupem as casas! Saiam dos barracos! Levem as crianças para a frente da igreja! – exclamava senador Genoca, ajudando a coordenar a retirada, juntamente com seu Licurguinho, seu Itamar e Marquito. – Beca, seu Mané, me ajudem aqui... – O que foi, Finão? – Vamos fazer tochas para enfrentar esses chupanças,. Rapidamente, todas as casas, casebres e barracos foram esvaziados. Na frente da igrejinha de padre Bernardo, fizeram um círculo bem largo de fogo, colocando as crianças dentro. Era uma maneira de isolá–las do ataque dos barbeiros. Finão, seu Mané e Beca, munidos de tochas, avançaram casas e barracos adentro, chamuscando portas, janelas, paredes, desalojando centenas de barbeiros escondidos nos vãos e buracos das madeiras. O inevitável, porém, aconteceu: na confusão gerada, na ânsia de acabar com os barbeiros, as tochas, lambendo portas, janelas e paredes, acabaram por dar início a um incêndio incontrolável. As labaredas, em questão de minutos, começaram a lamber os barracos, espalhando o terror e o desespero pelo Beco todo. A desgraça só não foi maior porque os barracos e casas já estavam praticamente vazios. Se os moradores do Beco estivessem dormindo, haveria muitas mortes, porque o fogo se alastrou com muita rapidez, encontrando em sua destruição um material muito propício: a madeira seca dos barracos, Eu – preso no porão de um lugar desconhecido – não podia nem imaginar o que estava acontecendo com minha família, meus manos, com o povo sofrido do Beco.

DEUS ME LIVRE -SÉRIE VAGA-LUME-LUIZ PUNTEL-SEGUNDA PARTE


MALDITA MANIA DE LER
GIBI AMERICANO!

Deixando os colegas, tomei o caminho de casa. Moro no Beco do Deus–me–livre, um terreno muito grande que, por ironia do destino, acabou ficando encravado entre a Vila Carvalho e o Tanquinho – os dois bairros mais chiques de Ribeirânia. Dizem os mais antigos que aquele pedaço de mundo pertenceu a uma fazenda de um homem chamado Artésio, que morreu e não deixou herdeiros, uma história mais ou menos assim. Dizem também que, antigamente, era comum os moradores da cidade exclamarem: – Mas você mora lá nas terras do Artésio? Deus–me–livre! E a expressão pegou pra valer. Com o tempo, a cidade veio montada a galope no progresso e o que era longe ficou perto, o que era distante ficou ali mesmo, encravado no umbigo da cidade grande, atrapalhando. E Deus–me– livre deixou de significar lonjura para se transformar em desprezo, incômodo, em sinônimo de estorvo, aborrecimento. A gente se acostumou a chamá–lo de Beco por falta de outro nome, mas é quase uma favela: velhas casas, humildes, mais para casebres do que residências e muitos barracos amontoados entre vielas, travessas, ruas irregulares e estreitas. Para ali eu me dirigia, quando tudo aconteceu. 12 Devia estar beirando a meia–noite. Eu vinha pensando na morte de meu pai, o velho Afonso, na minha mãe, que não derramou uma lágrima, tal a sua fibra, em tudo o que de ruim havia acontecido. Eu já havia passado pela praça Sete de Setembro, pelo correio, pelo cemitério, subido a Ludovico da Cunha e estava entrando na Monte Alegre. Se eu soubesse o que estava para me acontecer, teria preferido andar vinte quilômetros a entrar naquele quarteirão. Pois foi só dobrar a esquina e deparei com uma coisa estranha: em frente à Faculdade de Medicina, no meio do quarteirão, havia uma Kombi parada no meio–fio, um pouco para a frente, debaixo de uma árvore, onde a luz não iluminava direito. Tudo normal, até aí. Afinal uma perua Kombi parada no meio–fio, mesmo em lugar mais escuro, não tem nada demais, ou tem? O que me chamou a atenção foi que, ao chegar perto do prédio da Faculdade, eu vi um homem em atitude suspeita, andando pelo corredor lateral. Rapidamente, com um pé–de––cabra, ele começou a forçar a janela. Parei atrás de uma árvore, olhando o que ele ia fazer. Assim que conseguiu abrir uma das folhas da janela, tomou impulso e pulou o parapeito. Não havia mais dúvidas: era um ladrão, E ladrão – era dito de boca em boca no Beco – trata–se a pescoção. Não hesitei. Corri, atravessando a rua. Largando os livros da escola no jardim enquanto corria, eu me senti o Super–homem lutando contra os inimigos de Metrópolis. No mesmo pique que eu vinha, tomei impulso e – vumpt! – bati os pés no chão, saltando que nem o meu herói preferido. De um pulo, eu estava no parapeito da janela. Como um gato – vapt! – pulei para dentro do prédio. Só aí é que entendi que de Super–homem eu só tinha dois ou três gibis, todos eles faltando algumas páginas, guardados na gaveta da cômoda lá de casa. Ali estava eu, o Tinho do Beco, subnutrido e raquítico anti–herói, ser nada super–humano, brasileiro sim senhor. Foi só eu botar os pés no chão – plaft! – e levei logo as mãos à cabeça, vendo a burrada que fizera. – Quietinho aí, garotão! Pare onde você está. Não se mexa e nem pense em bancar o engraçadinho... – Pô, meu! Desculpa, tá? Devo ter entrado em janela errada. Eu tava pensando que.,. Não adiantou querer me desculpar. A voz foi autoritária: – Sem pensar, garotão... Já que entrou, agora fica. Sem pensar e sem falar, tá legal? Tava, o que eu podia responder? Minha vontade era fazer tudo ao contrário, como nos filmes do cinema mudo: despular a janela, voltar para trás da árvore, para a rua Ludovico da Cunha, mudar de caminho e tomar rumo ignorado. "Maldita mania de ler gibi americano!" – pensei. – Enquanto eu acendo a lanterna, feche a janela. Mas devagarinho... Quando fechei a janela, ficou tudo escuro. Só conseguia ver o facho da lanterna que o homem portava, à minha direita. – Não se mexa, garotão – disse ele, quando eu tentei me mexer. – Só faça o que eu mandar. Se você já brincou de mocinho, sabe o que é um "berro", não? Eu sabia. Só que o dele não deveria ser de brinquedo, como os do meu tempo de moleque. Agora sim, vá se virando devagar. Assim, como um bom menino... De leve, amizade! Na maciota. Muito de leve, falô?... Tá vendo esse saco aí no chão? – E o facho de luz iluminou perto dos meus pés. Eu estava. – Pega ele... Não, assim não. Eu disse na maciota. Como um bom menino... A gente não tem pressa, certo? Amizade, está vendo esses vidros aí na sua frente, em cima do balcão? Eu não estava. Depois, com o facho da lanterna, eu vi os vidros sobre o balcão, uma infinidade deles. – Com calminha, falô? Com calminha, amizade. Isso, você vai colocando um por um dentro do saco. Ao ver que os vidros estavam cheios, eu não quis obedecer. Parei, horrorizado. Num dique, compreendi onde estava: era a sala da doutora Rosângela Conceição. Ainda na semana passada, eu estivera naquele prédio, naquela mesma sala, entrevistando a doutora para um trabalho de escola. Viemos eu, o Véio, o Roberto, a Cris Biasoli e a Cláudia Leonel – a nossa equipe toda. – Por favor, cuidado com esse balcão – disse–nos a doutora, logo que entramos na sala. – Estes vidros estão cheios de barbeiros infestados. Estes bichinhos – e a doutora pegou um vidro com indiferença, demonstrando intimidades – transmitem uma doença terrível: a doença de Chagas. São meus companheiros de pesquisa. Eu os venho pesquisando há muito tempo... Dentro dos vidros, gordos insetos – centenas deles – projetavam suas patas imundas contra o vidro, querendo subir até a tampa, mas escorregando em cada tentativa. Naquele momento, eu não tinha escolha; sabendo que eu tinha um revólver às minhas costas, o jeito era obedecer. Eram os barbeiros pela frente e o revólver às costas. Hesitei, mas sabia que acabaria obedecendo. – É isso aí, garotão! Vai pegando ou eu meto uma azeitona na sua cabeça. Pra mim tanto faz, amizade! Tive medo, mas não havia escolha: era preciso obedecer mesmo. Com nojo, comecei a pegar os vidros, colocando–os dentro do saco. Com a operação, os insetos ficaram excitados, tentando sair dos vidros, o que aumentou o meu medo e o meu nojo. Quando terminei, o homem ordenou: – Agora nós vamos sair daqui pela porta da frente, numa boa, tá legal? Você vai na frente, carregando o saco nas costas. Eu vou atrás – disse ele, calmamente. – Se cruzarmos com alguém, você não sabe, não viu, não conhece... Deixa que eu dou as explicações. Na rua, não banque o engraçadinho. Tó de olho no saco e em você. Descuidou, dança! Àquela hora, o prédio estava vazio. A rua também estava deserta. Atravessamos o jardim rapidamente. Para minha sorte, já na rua, não longe dali, vinham dois moradores do Beco: o Pedrão, um sujeito patoludo e mal– encarado, um tipo estranho, e seu Odair. Pedrão já ia para o seu ofício de guardador de lugar na fila do INPS. Já seu Odair era guarda–noturno nas vizinhanças. Tentei retardar o passo, fazendo cera, mas o homem me ameaçou, cochichando pressa. Pedrão e seu Odair me reconheceram. Antes de entrar na parte traseira da Kombi, tive a certeza de que eles me reconheceram. O homem trancou–me lá dentro, fechou bem os vidros e, logo depois, o furgão saía cantando os pneus. "Ainda bem que eles me viram", pensei. No dia seguinte, poderiam testemunhar a meu favor, contando que eu não tinha nada com o roubo dos barbeiros, provando que eu estava sendo forçado. Logo que a Kombi começou a andar tentei me safar, mas vi que era besteira: a porta só abria por fora. Acostumando–me com o escuro, percebi que havia um respiradouro que dava para a cabina e, encostando o ouvido no buraquinho, dava para escutar mais ou menos o que os dois homens falavam. – O que saiu errado? – perguntou o motorista, em tom de censura. – Você não viu um garotão pular a janela, logo depois que eu entrei no prédio, amizade? O jeito foi trazer ele junto... – Você está maluco, cara? – Você acha que eu podia deixar o garotão soltinho da silva para fazer o meu retrato falado pros tiras? – Eu não queria entrar nessa, cara! Eu avisei pra você que o nosso negócio é arrombar túmulos, não é mudar de ramo... – Qualé, amizade! O tempo das bocas–ricas já passou. É bom ir pensando em deixar essa vida de tatu. Daqui pra frente, é preciso mudar sim. Então era isso. Bem que eu estava desconfiado que aquelas vozes eram familiares. Os dois eram os mesmos que andavam arrombando os túmulos. – E o que a gente vai fazer com ele, cara? – Isso é o chefão quem vai resolver. Mas eu não podia deixar ele ficar lá, né, amizade? O motorista parecia ter entendido, porque não insistiu mais. Houve, então, um longo silêncio entre os dois. Depois de um bom tempo, eles retomaram a conversa, o amizade tentando convencer o motorista. – Era a melhor hora pra se entrar no prédio. A gente não contava era com o aparecimento desse palhaço... – Sei não, cara. O chefão não vai gostar nada disso. Não estava nos planos, entende? O negócio era pegar os barbeiros, sem deixar pistas. Aí a gente começava a praga e tudo bem. Agora, temos que voltar à garagem, falar com o chefão, levar bronca. – Nisso eu fui esperto, amizade! – e ele deu uma risada irônica. – Se alguém vai se ferrar, vai ser o garotão aí atrás. Quando ele apareceu, eu mandei ele encher o saco de barbeiros. Tem impressão dele por todos os lados. Se alguém vai se ferrar, esse alguém vai ser ele. "Droga de vida! Mais essa, então?" – pensei, fulo da vida, sem nada poder fazer. A Kombi, para me confundir, começou a andar em círculos. Na certa, os homens não sabiam o que fazer comigo, apesar de terem dito que iriam voltar à garagem. O fato de ficarem andando me deu uma relativa calma. Não iam me matar imediatamente. Pretendiam mesmo me levar até o tal chefão. Caso contrário, não se preocupariam em dar voltas e voltas. Bastaria ir direto para o mato, abrir a porta traseira do furgão, mandar que eu descesse, para me fuzilar com um balaço na testa, como fazia o Esquadrão da Morte. Uma coisa que me intrigava era o destino dos barbeiros. O que fariam com eles? Que praga seria essa? Por que estavam roubando mais de mil barbeiros? O que fariam com eles, meu Deus? – O que a gente vai falar pro chefão, cara? – o motorista retomou a conversa. – Sei não, amizade! Mas, de qualquer jeito, os barbeiros estão aí. Vamos direto pra garagem agora. O chefão deve estar lá. Depois de rodarmos um tempo que não sei se foi de quinze minutos ou meia hora, mas que tinha a sensação da eternidade, a Kombi foi diminuindo a velocidade, até parar. Pelo sacolejar, devia ter deixado o asfalto e entrado em uma estrada ou rua de terra. Logo depois, notei que alguém desceu da Kombi para abrir algo como um portão. O furgão rodou por um terreno cheio de pedregulhos e tive a certeza de que chegávamos a um pátio de manobras, – Lá está o chefão, cara! – escutei o motorista afirmar. – Vai dar o maior bode quando ele souber do seu garotão aí atrás. – Fica frio, amizade! Você está parecendo maria–mijona... Desceram. Os passos sobre os pedregulhos se distanciaram. Não demorou muito, retornaram apressados, com mais alguém. – Mas como imprevisto, seus palermas?! Vocês já deviam estar executando o Projeto Pirâmides... – uma voz rouca e nervosa ordenava, impaciente. – É isso aí, chefão... – Isso aí, o quê? – Imprevisto, né! O que se pode fazer... – Mas que imprevisto, seu lesma?! – Tá aí dentro do furgão... – Então abre isso logo, seu palerma! O amizade tremia todo. Pela sua voz, dava para perceber que ele esperava o pior. A porta do furgão foi aberta, e a luz da lanterna feriu meus olhos. – Mas o que é isso, seus palermas! Por acaso vocês são da Assistência Social, para ficar recolhendo os menores carentes, hein? – e o chefão de voz rouca e nervosa dava cascudos no amizade e no motorista. – É isso aí, chefão! A gente pensou em dar um fim nele, mas não quisemos tomar nenhuma decisão sem consultar o senhor – o amizade se desculpava. – Ele se meteu a abelhudo, pegando a gente com a colher no mel... – Fizeram bem, seus palermas – adquirindo o sangue–frio, a calma, o chefão sorriu, irônico –, fizeram muito bem. Nem eu e nem o doutor gostamos de tirar uma gota de sangue de ninguém. Que os barbeiros façam isso, tudo bem, mas eu não tenho coragem disso... Pra fora, seu fedelho! – ele me ordenou. Virando–se para os dois homens, ele decidiu: – Levem–no para baixo. Que curta umas férias prolongadas até o doutor decidir o que fazer com ele. Quando desci da Kombi, o amizade ordenou que eu abaixasse a cabeça, não olhando para ninguém. Estava escuro, mas eles não queriam se arriscar. – Não é preciso – sentenciou o chefão, – Escute aqui, seu fedelho, se abrir o bico, morre antes que os outros. Você já vai levar o seu por se meter onde não é chamado – e dirigindo–se aos dois, ele falou: – Não batam muito, só o suficiente para mostrar do que vocês são capazes se ele destramelar a língua. E quando terminarem, podem começar a praga, dando continuidade ao Projeto Pirâmides... Ao se afastar, enquanto eu era levado para dentro da garagem, ele dizia mais para si: – Finalmente chegou a vez daqueles palermas do Favelão. Eles vão ver com quem estão lidando... Enquanto uma porta era aberta à minha frente, fiquei tentando ligar o roubo dos barbeiros à frase proferida no escuro da noite. Favelão era como o povo de Ribeirânia se referia ao Beco do Deus–me–livre. De repente, tudo ficou muito claro para mim. Mas eu não queria acreditar que seriam capazes de uma maldade daquelas. Por quê, meu Deus? Era certo que o Beco era odiado pela sua intromissão geográfica. Pobres, favelas, becos, corti19 ços, cohabs sempre foram relegados aos arredores das cidades, à periferia. Mas daí a... Não. Eu não queria acreditar Eu devia estar sonhando. Um empurrão, porém, veio me trazer à realidade. O chão, então, desapareceu a meus pés. Projetado no vazio, desci uma escada da pior forma, aos trancos e pescoções. Estavam me jogando dentro de um porão horrível, sem luz, sem ventilação e cheio de baratas.

domingo, 22 de agosto de 2010

DEUS ME LIVRE -SÉRIE VAGA-LUME-LUIZ PUNTEL-PRIMEIRA PARTE




ALGUÉM TEM UM

APAGADOR DE MEMÓRIAS?


Ser acusado de um crime que não se cometeu é a pior coisa do mundo.
Só quem já passou por esse drama pode compreender o sufoco que é ter de pagar por uma falta não cometida, por um crime não praticado.
Eu digo isso porque já estive nessa situação. Sem querer, entrei na
maior fria da minha vida. E tudo aconteceu quando eu vinha voltando da
escola, tarde da noite, em um dia que eu gostaria de esquecer, de apagar da minha memória, como se apaga um quadro–negro.
Eu curso o primeiro colegial, período noturno, na EEPSG Cônego
Musa Julião Motta de Barros, na cidade de Ribeirânia.
Na noite em que tudo começou, nós tivemos só três aulas: uma de
Português e aula dupla de Matemática, uma prova muito difícil. Na hora do intervalo, fomos dispensados. Em vez de ir direto para casa, ficamos
conversando eu, o Carolli e o Roberto Ruocco, um colega que veio de
Pinhal.
O Carolli, repetente do primeiro colegial e mais velho da turma, tem o
apelido de Véio. Ele não se importa. Creio mesmo que ele gosta de ser
chamado assim. Dá mais moral para ele.
Até aquele dia, eu, o Véio e o Roberto éramos amigos inseparáveis.
Mas a partir daquela noite, com tudo o que aconteceu, nossa amizade ficou muito abalada. Hoje já voltamos às boas, mas foi difícil superar a
desconfiança deles.
Na saída da escola, uma vez que tínhamos bastante tempo, ficamos
conversando na esquina. O Carolli, como era bom de Matemática, ficou
resolvendo os exercícios da prova.
– Pó, Tinho! Mas era uma barbada, mermão! – ele me explicava,
quando eu disse que não conseguira resolver a segunda questão, um
problema envolvendo equação do segundo grau. – Quando você obteve o
número vinte e dois, era só passar o xis para cá e...
Tinho, esse é o meu apelido. Meu nome é Walter. Walter da Silva, mas
todo mundo me conhece mesmo é por Tinho; tanto lá no Musa Motta, como no Beco, onde moro.
– Barbada pra você, que é chegadão nos números – respondi,
justificando–me.
– Pra mim também é fogo. Matemática é muito complicado. Véio, você
bem que podia dar umas aulas particulares pra gente, né? – disse Roberto, o olhar na direção de Carolli.

Nesse momento, o Valdir Domeneghetti vinha se aproximando da
rodinha.
– E aí, pessoal? Vocês também foram dispensados?
Ao me ver, ele perguntou:
– Tinho, você falou com o gerente do seu banco?
Antes que eu respondesse, ele continuou:
– Se eu conseguir ser guardinha lá no Banco do Brasil, eu tô feito..
– Que guardinha, meu! Mais respeito. Eu sou menor estagiário –
respondi, em tom de gozação. Depois, sério: – Deixe comigo, Valdir. Eu tô
batalhando. Falei com o seu Baraldi, o gerente, e ele disse que a escola tem que indicar o seu nome. Aí você faz um teste lá e, se der legal, você vai mesmo ser guardinha do Banco do Brasil – voltei a chateá–lo, reforçando a palavra guardinha.
Na verdade, não era tão fácil assim. A seleção era fogo. Tive muita
sorte conseguindo entrar lá. Portanto, minha vida é assim: estudo à noite e, de dia, sou o lépido, rápido e rasteiro menor estagiário do Banco do Brasil, com as funções de ir e vir do térreo ao décimo andar, levando e trazendo documentos, tirando fotocópias, sempre rapidinho, que eu não dou moleza mesmo. No dia do meu aniversário, até ganhei um troféu, em
reconhecimento à minha esperteza.
Naquela noite ainda falamos de futebol, comentando a fase ruim do
Coríntians, mas elogiando a personalidade amadurecida e o espírito de
equipe do Sócrates. Quando eu falei que o Palmeiras também não andava bom das pernas, o Valdir – que é palmeirense verde – se queimou. Aí o Roberto interferiu:
– Vamos mudar de assunto, senão vocês vão acabar brigando. Vamos
falar de meninas. Vocês viram como a Biasoli está bonitinha?
Pronto. O assunto agora era mulher, e de mulher todo brasileiro
também entende e dá palpite.
– Sou mais a Eloísa Gazini – o Carolli votou.
– Aquela morena, colega da Roberta? – perguntou Valdir.
– Essa mesmo. Ela é um chuchuzinho...
– Eu prefiro a Leonel, Véio – o Valdir escolheu.
– Eu fico com todas – respondi, colocando um ponto final na votação.
Aí o Carolli se lembrou de comentar o caso dos túmulos arrombados.

– É mesmo, vocês ouviram falar? – o Roberto fez cara de quem viu
assombração.
– O Tinho viu os caras, não viu, Tinho? – Valdir apontou em minha
direção.
Eu não queria comentar, mas não tive como sair dessa. Conta pra nós,
Tinho...
– Bom, vocês sabem que o cemitério fica no caminho do colégio pra
casa. Toda noite eu passo por lá. Ontem, eu ia passando rente ao muro e ouvi
vozes...
– Era alma do outro mundo ou assombração, mermão? – o Carolli quis
tirar um sarro.
– Aí, ó! Eu já não estava a fim de contar, que eu sabia que ia ter
gozação...
– Véio, sem essa né, meu! – Valdir bronqueou.
– Eu já estava cabrero – continuei, sob protesto – porque, não faz muito
tempo, eu fui visitar o túmulo do meu pai e lá no cemitério os coveiros
estavam comentando que, naquela madrugada, alguém havia violado dois ou três túmulos. Quando eu ouvi as vozes, lembrei–me da conversa com os coveiros.
– Você não ficou com medo, Tinho? – perguntou Roberto, interessado
na história.
– Medo de quê?
– Sei lá, de alma penada, assombração, mula–sem–cabeça, esses troços,
– Eu tenho medo é dos vivos; dos mortos não... Eu escutei as vozes e
resolvi observar por cima do muro... – continuei a contar. – Não deu outra.
Dois sujeitos estavam escavando um túmulo, não muito longe dali. Como
eles estavam ocupados, nem perceberam que eu os observava. Um deles
falou assim: "Enterraram fundo demais esse defunto, hein, cara!" O outro respondeu: "Isso é nem enterrar, amizade, isso já é plantar o coitado aí dentro". Eu queria dar um susto nos dois, mas fiquei com medo. Pensei em dar um gemido forte, sei lá. Mas e se eles me encarassem, eu estava frito. De repente, lá no fim da rua, apareceu uma rádio–patrulha...
– Aí você avisou os guardas? – Carolli perdera o ar de gozação e
acompanhava a narrativa com interesse,
– Eu pensei em avisar, Véio, mas preferi descer do muro, antes que me
vissem, e seguir o meu caminho. Fiquei com medo que eles me
confundissem com os arrombadores...
De repente, o Carolli me fez uma pergunta que me deixou muito
chateado:

– Tinho, você falou que foi visitar o túmulo do seu pai. E o assassino
dele, a polícia ainda não descobriu quem foi?
Eu não queria comentar nada sobre a morte do meu velho, mas ele
insistiu e o jeito foi encarar,
Não fazia muito tempo, meu pai fora estupidamente assassinado,
Chegaram ao requinte de esquartejar barbaramente o seu corpo.
Foi uma cena horrível, que abalou a todos os moradores do Beco. Eu
não gosto nem de lembrar muito isso. Ver o pai da gente naquele estado é
uma cena que nunca mais sai da cabeça de ninguém.
Não fosse a fibra de dona Jacinta – minha mãe –, eu e os manos até
hoje não saberíamos o que fazer.
Meu pai não teve muita instrução, mas tinha cursado a escola da vida,
essa sim a responsável pela sua formação. E foi nessa escola que ele se
diplomou, ensinando pra gente que o mais fraco precisa falar, botar a boca no mundo, gritando, se for preciso.
Foi essa fibra que fez dele um homem respeitado lá no Beco,
Quando eu ainda era de colo, só pra recordar, os trens da Mogiana
passavam por dentro de Ribeirânia. E passavam pertinho do Beco. Padre
Bernardo, vigário lá do Beco, cansado de pedir ao prefeito para colocarem uma cancela a fim de evitar mais acidentes e mortes, sentou–se na linha do trem, impedindo que as locomotivas continuassem atropelando os moradores.
Meu pai foi o primeiro a seguir o seu gesto, incentivando o resto.
Isso lhe valeu a liderança no Beco. Depois disso, era comum ouvirem
meu pai pra tudo. Qualquer desavença, qualquer bate–boca, lá estava meu velho dando sua opinião, fazendo valer o seu diploma da escola da vida.
Foi ele quem enfrentou o "xerife" Boca Torta, um bandidão que
apavorava a todos lá no Beco. Depois que ele desarmou o bandidão a unha, na base do olhar duro e firme, nunca mais nenhum xerife se atreveu a fincar base no Beco, sem que levasse o troco. Assim foi também com Malufim,Ademarzão e Taturana.
Meu pai sabia, no entanto, que o que vale mesmo é um diploma, um
cartucho como ele dizia.
– Filho, sabedoria ninguém te róba – ele falava quando me via
farreando com a molecada do Beco. – Toma tento que

sem cartucho ocês vão ter que dá murro em ponta de faca, que nem eu,
Realmente, ele não merecia morrer daquele jeito. Ninguém merece.
Além de esquartejá–lo, a malvadeza foi tanta que estancaram o corguinho da Onça, que passa pelo Beco, e o seu corpo ficou boiando sem destino, as águas sangrentas inundando o terreno dos barracos, querendo invadir as casas.
– Não encontraram não, Tinho? – Carolli insistiu.
– Não, Véio... ainda não... – respondi, vagamente.
Vendo que eu me entristecera com a lembrança da morte de meu pai,
cada um resolveu tomar o seu caminho, a conversa morrendo ali.
Despedi–me com um tchau sumido, tomando meu rumo, sem saber que
o pior ainda estava por acontecer.


sexta-feira, 13 de agosto de 2010